Meditar

"O essencial para a hospitalidade é ter um coração aberto, o que resulta em uma casa aberta...seja um quarto pequeno, um apartamento modesto ou uma mansão - em todos esses lugares podemos praticar a hospitalidade." Karen Mains

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Tênis X Frescobol



Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há casamentos do tipo TÊNIS e há casamentos do tipo FRESCOBOL. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e tem chances de ter vida longa.

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: "Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com está pessoa até sua velhice? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar."

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme "O império dos sentidos". Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começavam uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar MIL E UMA NOITES. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. a música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: "eu te amo, eu te amo..." Barthes advertia: " Passada a primeira confissão 'eu te amo' não quer mais dizer nada." É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma."

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada -  palavra muito sugestiva, que indica seu objetivo sádico, que é o que cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora do jogo. Termina sempre com a alegria de um e tristeza do outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola vier torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém há ser derrotado. Aqui os dois ganham ou ninguém perde. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém  marca pontos... 

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob formas de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...

Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como uma bolha de sabão...O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão voem livres...Bola vai, bola vem - cresce o amor...Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...

Rubem Alves

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